Mais de 2 milhões de pessoas investem na bolsa brasileira atualmente. O número é recorde, assim como o nível da atual taxa básica de juros da economia brasileira. Esses são alguns dos aspectos que têm feito muitas empresas do setor de varejo abrirem capital neste turbulento 2020. O movimento, dizem os especialistas, deve continuar no ano que vem, mas também requer alguns cuidados.
A onda de IPOs, a sigla em inglês para oferta inicial de ações, tem como protagonistas empresas como o Grupo Mateus, dono do quarto maior atacarejo do Brasil e que arrecadou R$ 4,63 milhões, o maior valor do ano até agora. Tem como personagens, também, Petz e Track&Field. E estão na fila, ainda, o Grupo Soma (fruto da fusão entre a Animale e a Farm), o Grupo Uni.co (dono das marcas Imaginarium, Puket e Mind) e a Wine. Mesmo a Havan, que retirou o pedido recentemente, deve voltar a avançar no tema em 2021.
Entre abril e agosto de 2020, 16 empresas iniciaram o processo. A estimativa do mercado é que esses IPOs movimentem mais de R$ 27 bilhões. Para efeito de comparação, entre 2005 e 2019, esse setor realizou 17 aberturas de capital, quase o mesmo número de 2020, que ainda não acabou, e movimentou cerca de R$ 19 bilhões até agora.
“O cenário é positivo para o varejo porque, fazendo os IPOs, as empresas têm uma perspectiva maior de conseguir caixa e investimentos do que buscando outras formas de caixa e financiamento”, explica o analista da Nova Futura Investimentos Matheus Jaconelli.
Além disso, como a taxa básica de juros da economia brasileira está baixa, em 2% ao ano, o mercado de ações está mais atraente do que investimentos de renda fixa, antes considerados mais seguros, como títulos públicos, Tesouro Direto ou CDB’s, que estão rendendo menos.
A esses fatores se soma o aumento da quantidade de investidores na B3, a bolsa brasileira, que bateu recorde neste ano, chegando a 2,24 milhões de pessoas. Nesse sentido, ter nomes conhecidos do grande público, realidade na maior parte das empresas de varejo que estão abrindo capital, também conta a favor.
Do lado do varejo, fazer um IPO geralmente resulta num ganho interessante para a imagem da empresa. “As informações das companhias que fazem IPO ficam públicas, que lhes dá uma visibilidade maior e abre menos espaço para problemas de governança. Tudo isso favorece a imagem da empresa”, completa Jaconelli.
O sócio-líder de transações da Grant Thornton Brasil, João Rafael Araujo, concorda. “Existe uma migração natural das pessoas que investem em renda fixa para a variável, que tem potencial de gerar retorno maior.” Além disso, diz ele, a abertura permite a entrada de capital que geralmente é usado na expansão ou até na compra de outras empresas – objetivo declarado de grandes companhias que estão fazendo esse movimento no Brasil.
Para Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e um dos maiores especialistas em varejo do Brasil, a onda não chega a surpreender devido ao tamanho do setor no Brasil. “Não é o varejo que está indo para a Bolsa, é o mercado financeiro que esta chamando o varejo para dançar.”
Segundo ele, o varejo e do consumo do Brasil têm potencial para dobrar de tamanho e esses setores podem alavancar um novo ciclo de crescimento e expansão da economia. “Quando nós vemos esses IPOs nesses valores de múltiplos com os valuations que estão sendo colocados, ficamos com a impressão de que o mercado financeiro tem a mesma percepção, mas, como sempre, eles estão um pouco à frente do tempo, e começam a puxar os parceiros para dançar nesse novo ritmo”, analisa.
A pergunta que o diretor-geral da empresa de estudos de mercado GfK para a América Latina, Felipe Mendes, se faz é: por que demorou tanto? “Nossa bolsa sempre foi muito concentrada em bancos e empresas ligadas ao governo, como Petrobras e Vale. Por alguma razão, não havia essa percepção do peso grande que o varejo tem no Brasil.”
Ele destaca a longevidade das empresas de varejo brasileiras. “Boa parte tem 30, 40, 50 anos. As mais novas são dominantes no mercado, como é o caso da Petz. Mesmo na pandemia, a confiança da população no varejo aumentou muito. As empresas acharam uma forma de entregar produtos na casa das pessoas, de acelerar as vendas online. O nosso varejo foi muito proativo nessa crise e, pelo olhar do consumidor, deu um show”, finaliza.
Todos os especialistas acreditam que a onda de IPOs no setor deve continuar em 2021. Apesar disso, alguns cuidados são necessários. “O planejamento e a organização são as chaves para qualquer pessoa que esteja buscando caixa, seja por meio de oferta pública, seja por investimentos diretos externos”, destaca a líder da área Societária do escritório Marcos Martins Advogados, Gabriela de Ávila Machado.
Ela explica que, antes de entrar com o pedido, é necessário colocar ordem na casa e estar com procedimentos e processos organizados e em conformidade com a legislação, porque possíveis investidores podem querer realizar uma auditoria para análise dos riscos envolvidos na operação proposta e nas atividades da empresa.
“Ajuda muito, também, que a empresa tenha um bom programa de compliance e governança corporativa institucionalizada. Isso chama a atenção, no bom sentido, para que investidores se aproximem, uma vez que esses itens auxiliam na diminuição de riscos de uma empresa.”
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